05/04/05

Luanda




  Creio que será a última vez que te vejo, que te direi adeus! Em ti cresci, pelas ruelas e, a cada passo, me fui tornando num ser diferente. Em meu rosto foram-se cravando os ritos da mudança. Em principio, uma pequena penugem que foi engrossando em cada dia que passava. Nas tuas mariposas perdi a inocência. Nas tuas cubatas descobri a essência do medo, do pecado e do prazer.

 Debaixo do teu embondeiro, parei e ali fiquei como kandengue que vai espreitar na casa do branco, à espera dela, que ela me olhasse que me dissesse um sim que nunca veio. Descobri o amor!

 Nas tuas barrocas de areia branca brinquei, lançava-me no espaço como pássaro sai voando à procura do vento ideal para poder planar sobre aquele mar desenhado lá ao fundo.

 Da tua marginal que com a sua língua de terra nos ligava à ilha das palmeiras e praias fervilhantes de vida, onde uma morena qualquer se banhava e se deliciava com os seus raios solares na sua pele fresca de juventude. À noite, corpos estonteantes gingavam seu corpo nas tuas noites cálidas de África e se ofereciam ao olhar guloso e sequioso de uns quantos ali no Bairro Operário.

 O teu Verão, é sol é vida que renasce sempre que há um amanhã. As tuas acácias em flor que coloriam aquelas encostas da fortaleza, as makas no musseque, talvez no Sambizanga, onde tiros riscavam a noite escura, de ciúmes e de conflitos conjugais. Mas há sempre um outro dia em S.Paulo, na Terra Nova, na Boavista e no Miramar onde entre as moitas se ouviam lânguidos gemidos numa paixão avassaladora de mulata.

 Ao entardecer, um pôr-do-sol de uma beleza estonteante fazia-me sentir como embriagado perante tanta beleza, que me ofuscava a alma, e me bulia os sentidos.

 Quando de ti me fui embora, pensei levar uma réstia de ti, num piscar de olhos, num fechar de mão. Há sentimentos que não se compram, há momentos da nossa vida que não podemos dar, pois são momentos nossos, egoisticamente nossos e de mais ninguém.

 Hoje, onde os ritos do meu rosto estão mais cravados e o meu olhar mais ténue, vem-me as ilusões, suores, recordações de um dia que se foi e não mais voltou, juventude que se perdeu de um passado feito presente que voou.

5 comentários:

Elvira Carvalho disse...

Pelo jeito sou a primeira pessoa a comentar. Este blog é um espectáculo e está cheio de recordações.
Vou adicioná-lo aos favoritos.
Um abraço

Zé ParrulaPiteira disse...

Ola
Tal como tu Tb fui furriel mas de cavalaria que por aqui andei 1975 ultimo sargento de dia ao QG de Luanda , conheço essa terra vermelha. que fica marcada no sentidos Abraço

Anónimo disse...

Terra Vermelha que tantas vezes pizei,e com terra vermelha brinkei chapinei.
E hoje recordações, sonhos
mas em mim fikou o teu cheiro o teu perfume Terra Vermelha. Minha terra sempre querida.

Lameking

Unknown disse...

Devemos ser da mesma idade, pois tudo o que aqui relatas faz sentido na minha cabeça.
Também andei na Escola Industrial e lembro-me muito bém do teu Amigo Luis(da S.João).
Eu andava no curso de M.Electricista ao mesmo tempo que ele mas em turmas diferentes!!
Obrigado por tudo o que me fizeste reviver.
Rogério Mata( vulgo Avô)

Mário Lima disse...

Rogério

Falei de ti ao Luis, se aqui voltares escreve para o meu mail.

marius70ster@gmail.com

Abraço