12/02/08

Versos de Amor




 Sentado no alpendre, olha longamente as sombras da noite. No seu regaço, a companheira que o acompanhava já há algum tempo. Confiava nela, tinha-a sempre pronta a servir-lhe caso tivesse necessidade disso, esperava bem que não. Fazia dois anos que estavam juntos. Olhou para as suas botas. Botas que palmilharam muitas léguas, muitos caminhos percorridos, sempre as mesmas. Embora desgastadas pelo tempo faziam parte do seu corpo.

 As sombras alongavam-se. Ali estava ele, sozinho na noite sempre há espera de um amanhã que poderia não chegar. Pegou na sua companheira, a sua arma, e deambulou pelo quartel. Figura esbelta, a lua alongava a sua sombra como a levá-lo para o outro lado do Atlântico. No bolso do seu camuflado, surgia a ponta de algo que recebera nesse dia. Era sempre uma alegria para aqueles homens quando recebiam a volta do correio. Rostos tisnados pelo sol implacável, endurecidos pelas lutas, pelas caminhadas, pelas incertezas, na hora do correio, aqueles mesmos rostos, abriam-se como crianças à espera de um brinquedo. A alegria de uns era a tristeza de outros por não receberem nada que lhes acalentasse a solidão.

 Pegou mais uma vez naquela carta. Já a tinha lido dezenas de vezes, mas era como se fosse sempre a primeira. No dia seguinte partiria de novo. Não sabia se iria regressar. Entra no seu quarto. Um cubículo. A sua cama resguardada pelo mosquiteiro aguardava-o. Mas ele não o fez. Puxou de um banco e sentou-se junto à mesa que lhe servia de escrivaninha. Pegou na folha em branco, olhou para ela e, com lágrimas nos olhos, talvez pela última vez, escreveu... Versos de Amor.


Cantam os pássaros no céu, Como é lindo o seu cantar, Cantam, quando os lábios teus, Aos meus se vão juntar...


13Mai73

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