12/02/08

Monangambééé...




  As conversas são como as cerejas, já diz o ditado popular. Ao ler as estórias do meu mano Leaoverde (é verde, nem toda gente é perfeita), desfiando recordações que são mútuas, e pesquisando para um trabalho que tem como base dar a conhecer a música de Angola eis que me deparo com um “site” onde estão reunidas muitas das músicas que, quando kandengue (criança) e adolescente, ouvia amiudamente na rádio.

 A rádio era, para quem lá estava, a única companhia pois não havia televisão. Era mau?... Nem pensar!... os miúdos dessa época ocupavam o tempo não sentados em frente à TV ou a jogar “Games Boys”, mas a fazer os seus próprios brinquedos. A rua era o seu mundo a brincadeira a sua estrada.

 Hoje estou ouvindo músicas de cantores que fizeram história no meu tempo. O título da música que estão a ouvir, «Monangambe», cantada pelo Ruy Mingas, faz-me recordar uma frase que, quando garotos, dizíamos ao pessoal contratado que ia em pé, atrás, nas carrinhas para o local de trabalho:

- Monangambééé... – dizíamos nós.

- Eu vou nas “carinha” e tu vais a pé – retorquiam eles

… E era verdade, enquanto eles iam na carrinha nós íamos a pé,… em frente para um futuro, ceifado pelos canos das espingardas.

"Monangamba"

Naquela roça grande não tem chuva 
é o suor do meu rosto que rega as plantações; 
Naquela roça grande tem café maduro 
e aquele vermelho-cereja 
são gotas do meu sangue feitas seiva. 
O café vai ser torrado 
pisado, torturado, 
vai ficar negro, 
negro da cor do contratado. 
Negro da cor do contratado! 
Perguntem as aves que cantam, 
aos regatos de alegre serpentear 
e ao vento forte do sertão: 
Quem se levanta cedo? quem vai a tonga? 
Quem traz pela estrada longa 
a tipoia ou o cacho de dendém? 
Quem capina e em paga recebe desdem 
fuba podre, peixe podre, 
panos ruins, cinquenta angolares 
"porrada se refilares"? 
Quem? 
Quem faz o milho crescer 
e os laranjais florescer 
- Quem? 
Quem dá dinheiro para o patrão comprar 
maquinas, carros, senhoras 
e cabeças de pretos para os motores? 
Quem faz o branco prosperar, 
ter barriga grande - ter dinheiro? 
- Quem? 
E as aves que cantam, 
os regatos de alegre serpentear 
e o vento forte do sertão 
responderão: 
- "Monangambééé..." 
Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras 
Deixem-me beber maruvo, maruvo 
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras 
- "Monangambéé...'"
António Jacinto (Poeta angolano, 1924-1991) de Poemas, 1961

 À barriga gorda do patrão de outrora outros “patrões” de agora, enchem a sua, à custa de um povo sofredor.

Aiuê Angolê

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