07/11/09

Da Póvoa a Luanda

"Tinha eu nove anos,
Da minha terra me afastei,
Olhos de criança,
Já com saudades, chorei."

Fevereiro de 1962. Eu, mais 3 irmãos (3 rapazes e uma rapariga) dizíamos adeus à terra onde tínhamos nascido, Póvoa de Varzim. Acompanhados pelo nosso tio António, subimos para o comboio rumo a Lisboa.

Para trás ficavam pedaços da nossa vida. Nossos pais aguardavam-nos em Luanda. O meu pai, devido à prole ser imensa (seis filhos) já tinha para lá ido em 1959. Era uma "província (ultramarina) portuguesa" mas teve que ir com uma carta de chamada senão não podia embarcar (em 13 de Abril de 1961, depois da rebelião, disse Salazar: "Para Angola rapidamente e em força". Só devido à guerra é que foi abolida a carta de chamada. Era mais fácil dar o salto para França do que ir para Angola). A minha mãe e mais dois dos meus irmãos, os mais pequenos, foram em 1960.

Lisboa foi algo maravilhoso para nós. Ficámos numa pensão ali para os lados do Marquês de Pombal. Subimos no elevador de Santa Justa e vimos a cidade lá do alto. Um dia saímos os três rapazes sozinhos, como se conhecêssemos bem a cidade, olhando montra atrás de montra, cheios de motivos carnavalescos, perdemo-nos. Felizmente encontrámos um polícia e sendo o meu irmão mais velho o de melhor memória, lá conseguimos chegar à pensão onde recebemos um ”raspanete” do meu tio, que já estava preocupado. Pudera!

No dia 20 de Fevereiro de 1962, embarcámos no navio “Quanza”. O meu tio ficava ali no cais de Alcântara dizendo adeus àqueles quatro sobrinhos, um com sete, outro com nove, outro com 11 e a minha irmã mais velha com 16 anos. À largada, no convés, muitas lágrimas foram vertidas nessa despedida.

"Atravessei o oceano,
Para terras desconhecidas,
Quanta gente no velho barco,
Para começar novas vidas."

Embora tivesse nascido em terra de mar, os 14 dias que demorou o “Quanza” de Lisboa a Luanda foram, para mim, de suplício. Mas não deixámos de fazer as nossas patifarias dentro do barco, desde ir por corredores em aventuras desconhecidas até à sala das máquinas, retirar os ganchos das redes dos beliches (era queda certa para quem nela se deitasse) até ”namoros” com garotitas da nossa idade, tudo se fez. Ainda hoje me lembro do cheiro do chá e da manteiga que nos serviam.

"Eu, criança, sem pensar,
Na brincadeira me lancei,
E a terra, onde nasci,
Nunca mais a recordei."

A passagem do Equador foi festiva, e com enjoos e golfinhos lá decorreram os dias. Chegámos a Luanda no dia 6 de Março de 1962, dia de Carnaval. Era noite escura. No cais aguardavam os nossos pais.

Descida a escada o meu pai sobe e a primeira pergunta que faço é:

-Pai, tem bananas em casa?

Tinha!...

... E assim começou uma nova vida para aquela família, agora junta, que um dia demandou para terras africanas!


Paquete Quanza


P.S. – A banana, na época, era rara em Portugal. Só a comiam pessoas com posses, daí a minha pergunta.