20/05/18

Bairro Operário

O Bairro de S. Paulo e o Bairro Operário são "irmãos". Muitas vezes irmãos desavindos, porque limitávamos a nossa zona da que diziam que era porta sim, porta sim. Mas não era. Muita e boa gente lá morava e na escola primária creio que a nº 8 (perto do cemitério velho), muitos do nosso Bairro estudaram.

Houve sempre a confusão onde acabava o Bairro de S. Paulo e começava o Bairro Operário. Ora era na Rua Missão de S. Paulo, ora na Rua António Brandão de Melo. Pois era exatamente nesta última que começava o Bairro Operário. A famosa Vouzelense já era nesse bairro. Bairro onde se misturava as noites de sexo proibido, com as grandes farras que por lá haviam.

Hoje o nosso bairro de S.Paulo pertence à comuna do Bairro Operário.

Os irmãos "desavindos" são um só.

A historia do Bairro Operário confunde-se com a história de Luanda.

Empurrados pelo regime vigente na altura, a antiga burguesia de S. Paulo de Assunção de Loanda, foi marginalizada, ocupando esse espaço onde se confundiu, com os habitantes humildes que lá habitavam.

Será um pouco sobre esse bairro que tanto nos diz, pois o Bairro Operário (a denominação tem a ver com o facto de ser habitada por operários dos caminhos-de-ferro), faz parte da nossa vivência, que aos poucos irei aqui colocar aqui um pouco da sua existência.

Irei pedir ao Jaccques Arlindo dos Santos que através do seu olhar e da sua pena, me conte o ABC do Bê Ó.

Antes do "nascimento" do nosso Bairro, antes do nascimento da Igreja Missão de S. Paulo, já o Bê Ó existia. O tal musseque (“Musekes”, que em kimbundu significa lugar (Mu) de areia (Seke)), de terra vermelha, que diziam que era porta sim, porta sim, afinal, não era só de tiros na noite de algum marido ciumento, mas de farras até altas horas, das enxurradas que se abatiam naquela velhas casas, de quem ia até à cidade (estando também na cidade) à busca de um pequeno trabalho que desse para ganhar algum que a família tinha que comer.

11/04/18

A Marmita

Regresso da Escola Industrial de Luanda para casa depois de mais um dia de aulas. Desta vez vinha sozinho.

Venho pela Alameda D. João II. Uma bicicleta de gelados passa e claro que dali saiu um baleizão para mim.

Saboreio o gelado. Fim da Alameda, viro para a Rua Paiva Couceiro em direção ao meu bairro de S. Paulo.

O passeio, ainda de terra, era bastante largo. Ao lado, o muro onde por dentro funcionava a Empresa de Eletricidade (não sei o nome certo), hoje ENDE.

O trânsito vai fluindo, mas entretido com o gelado nem presto muita atenção. Se viesse com alguém era certo e sabido que se faria o jogo das matrículas (quem perdesse levava os livros do outro).

De repente um barulho. Olho e vejo uma carrinha de caixa aberta a galgar o passeio onde ia. Começo a correr e a carrinha atrás de mim. Até que por fim parou. Vejo a cabeça de um homem a aparecer e a seguir o resto do corpo. Vou ter com ele e digo-lhe que por pouco não me tinha apanhado.

O homem estava aflito pelo acontecido e pedindo desculpa disse que tinha sido por causa da marmita. Ao dar a curva da D. João II para a Paiva Couceiro a marmita que estava no banco ao lado tinha caído e ele, ao se baixar para a apanhar, virou o volante e daí a carrinha ter galgado o passeio.

Safei-me desta, pensei eu, e ao mesmo tempo apercebi-me que mesmo com a carrinha atrás de mim, não tinha deixado cair o gelado. A marmita caiu, mas o gelado não.

:)

fotos: o local mais ou menos onde ocorreu a situação e a bicicleta dos gelados que era frequente ver, assim como os de mão, nas ruas de Luanda.

23/03/18

"O que somos a eles o devemos"

Fui aluno de uma professora que me marcou pela positiva, a Professora Luísa Brito. Essa minha professora de quem tenho gratas recordações, que me deu aulas no Ciclo Preparatório na Escola Industrial de Luanda no ano lectivo 1963/1964 e na João Crisóstomo 1964/1965 na disciplina de Ciências Geográfico-Naturais, morava numa vivenda perto da Escola Industrial (Rua António Nobre) e tinha três filhas. Em 1965 nasce o 4º filho, um rapaz.

De todos os professores que tive, foi a única que nunca esqueci.

Fui muitas vezes a essa vivenda pois a Professora dava-me lá explicações. Embora eu fosse um muito bom aluno, mas como esteve muito tempo ausente devido à gravidez, sempre era uma ajuda para o exame do ciclo. Sei que as filhas estavam muitas vezes presentes. Como gostava muito dessa Professora tinha sempre 20 valores pois quem nos ensina e sabe ensinar, sabe motivar e nós damos o nosso melhor. Um dia deu-me um 16 e eu perguntei-lhe a razão já que tinha tudo certo e ela disse-me: «Mário dou-te um 16 que é para não te habituares mal».

A entrada para o interior da vivenda, em frente de uma Escola Primária entre a Vila Clotilde e a Vila Alice, era à esquerda e, em frente do portão, um "corredor" onde ficava o carro ("SAAB" branco). Atrás, uma mangueira de onde muitas mangas comi.

A Professora Luísa Brito nascida em Benguela, foi muito nova para a cidade do Porto onde tirou o curso de Biologia na Faculdade Ciências do Porto. Regressa a Angola (neste caso a Luanda), já casada.

Havia uma empatia muito grande entre mim e esta Professora. Talvez porque ela tinha 3 meninas e desejasse um rapaz. Lembro-me de ficar "aborrecido" quando soube que ia ter um rapaz. Senti-me de fora. Tinha acabado o meu estado de "graça" pensava eu. Mas não, continuei ser o menino que procurava tirar 20 valores para ter o prazer de ser chamado ao quadro quando havia qualquer matéria em ciências mais duvidosa para os outros alunos.

Depois fui trabalhar e perdi o contacto. 54 anos passados, através de uma das filhas, voltei a "encontrá-la". Infelizmente tarde, faz dia 24 deste mês, 11 anos que faleceu.

O que me impressiona é o facto de me lembrar de tantos pormenores. Tinha na época 12 anos. Quando muito se gosta, não há tempo nem espaço que faça esquecer.

Até Sempre minha Professora, Luísa Brito!

Eu com 12 anitos... como o tempo passa!

27/02/18

As farras em Luanda

Não havia um fim de semana que não se fosse dar um pé de dança, se não era nos quintais com o conjunto "Os redondos" (entenda-se discos ;) ), era no Transmontano, na Casa do Minho, na Textang, na Terra Nova e outros locais, e eram muitos os conjuntos que abrilhantavam essas farras, como "A Teima", "Os 5 de Luanda" e... curiosamente, num escrito meu, tenho datas e locais onde dancei em 1972 ao som dos:

- The Blue Rivers (16 de janeiro, 19 de março e 25 junho de 1972 na Textang)

- Os Santos (6 de fev. e 7 de abril de 1972 - Textang)

- African Boys (atuaram num Carnaval - 12 fev. 1972 - nos SMAE em que lá esteve tb o Joselito)

- New Lovers - 5 de março, 28 maio e 23 de julho de 1972 - Textang, 17 set. e 22 de out. na Terra Nova

- Conjunto Time - 3 de setembro de 1972 - Terra Nova

Claro que como era um frequentador assíduo do "Clube Transmontano" essas farras não eram mencionadas, "Os 5 de Luanda" e "A Teima" eram quase uma constante nesse Clube.

Aqui estão alguns desses Conjuntos:


24/02/18

Duo Ouro Negro - Luanda

Luanda quem de ti não gostou,
é porque nas tuas ruas não andou.

"Luanda,
Debruçada sobre o mar
Onde as ondas, uma a uma,
vêm desfazer-se em espuma,
À tua Ilha beijar...

Luanda,
Da Fortaleza em pendor,
Na expressão de uma aguarela,
Que o artista, com fervor,
Pintou majestosa e bela...

Luanda,
Do batuque p'la noitinha,
Das acácias em flor...
És tu, Luanda rainha,
Senhora do meu amor."

Eleutério Sanches

23/02/18

Casamento à "pato"

O casamento decorria no Bar Restinga ali na Ilha. Todos janotas, o meu irmão com mais à vontade que eu, demos os parabéns aos noivos. Como ali há sempre familiares de um lado e de outro não sabem à partida quem é convidado de quem. Fotos aqui e acolá, com os noivos e com todo o pessoal convidado, afinal éramos mais uns entre tantos.

Sobe-se ao primeiro piso. Mesa farta há que comer e beber, e conversar com os empregados principalmente com o que estava à porta de saída.

Há que arranjar uma garina para um pé de dança e assim se juntar aos noivos e acompanhantes para não levantar suspeitas.

Os empregados habituados a este tipo de comportamento de quem entra a "pato" depressa se aperceberam que éramos uns estranhos, mas nada disseram e lá para dentro deviam estar a sorrir com a nossa desfaçatez.

De repente apercebemos que a nossa presença tinha sido notada. Com cruzamento de informações verificaram que não éramos convidados nem de um lado nem do outro dos nubentes.

Há que bater em retirada e como quem não quer a coisa dirigimos para a saída. O porteiro apercebeu-se da nossa retirada estratégica e fez de conta que estava a tratar de abastecer a mesa, deixando a porta entreaberta para o "escapanço".

Descemos as escadas rapidamente e zarpámos em boa correria.

foto: o Bar Restinga com a nossa escada de "salvação".


22/02/18

A volta dos tristes

Raro era o fim de semana que a ilha não se enchia de carros. Nos 7 km, desde a entrada até à ponta da ilha, as praias fervilhavam de vida.

Era também a altura que os pais metiam a prole (filhos) no carro e lá iam fazer a volta dos tristes.

A volta dos tristes porque era sempre a mesma coisa. Garotada dentro do carro, rádio a ouvir o relato do "puto" (entenda-se de Portugal) e lá se ia "mergulhando" naquele trânsito infernal.

Chegados à ponta da ilha, se desse para parar, andava-se um pouco pela praia ou se encostava ao carro ouvindo a rádio não fosse o Benfica ou outro clube marcar um golo, metia-se a garotada outra vez dentro do carro e fazia-se o caminho de regresso, outra vez numa fila infernal.

Os garotos faziam chinfrineira, o pai ralhava, a mãe punha "água na fervura" e chegados a casa mais cansados do que nunca, com sono, lá se adormecia rapidamente que no dia seguinte era dia de trabalho e de escola.

Outra volta que se fazia era ir até ao aeroporto, ver os aviões (já tema aqui colocado).

Depois os garotos cresciam, o carro ia mais vazio, já não havia o barulho do costume e acabava a volta dos tristes.

Na ponta da ilha havia o Restaurante Mandarim de comida chinesa, e que eu me lembre foi construída lá para os anos 70. Lembro-me de ir até à ponta da ilha e não haver Mandarim nenhum.

fotos: imagem com carros bem antigos na ponte no regresso da ilha,o Restaurante Mandarim e o trânsito na ponta da ilha ao fim-de-semana.



21/02/18

A kitandeira

Eh "minino, minino", quer comprar uma pulseira de missanga para oferecer à namorada?

Assim apregoavam as nossas kitandeiras (quitandeiras), ou para missangas, ou para fruta que por Luanda deambulavam, à procura de um comprador.

Mas a kitandeira de missangas depressa deu lugar ao de vender fruta, pois quem é que em Luanda não sabia fazer uma pulseira, um colar ou um anel de missangas? Todos nós aprendemos com o fio de nylon, passar nos furinhos e depois de algum trabalho, aparecer trabalho feito. Com nomes, com corações para oferecer à mais que tudo, e como era bonito isso que fazíamos.

E fazer cintos dos maços de tabaco? A nossa imaginação era prodigiosa, não havia televisão e a net era a nossa rua. Tudo se conjugava para que a nossa infância fosse feliz e não sentados à frente de uma "janela" (windows) como hoje as crianças estão.

"Laranja, laranja minha "sinhora"?!"






20/02/18

Luanda do outro lado do tempo

O colonialista só critica, o luandense critica mas sofre ao ver a cidade onde nasceu - onde criança em homem e mulher se tornou, onde já adulto escolheu o país para dar um futuro melhor à sua família, coisa que em Portugal não o iria conseguir - no estado que está.

Quando Paulo Dias de Novais aportou a Ilha do Cabo, logo verificou que a ilha não era suficiente. Foi para terra firme e fundou a vila de S. Paulo de Assunção de Loanda a 25 de janeiro de 1576 (só foi cidade em 1605).

442 anos se passaram desde então.

Da cidade dos primeiros anos pouco resta, a cidade cresceu, a cidade mudou, a cidade foi-se modernizando.

A guerra traz sempre desgraça. Não só para aqueles que se julgam as maiores vítimas e que abandonaram a cidade onde nasceram e cresceram. A guerra também vitimiza quem lá ficou.

Hoje vive-se da lembrança desses tempos que foram da nossa juventude, do despertar do corpo, da perda da inocência. A saudade dizem, é uma forma de ser e de estar do nosso povo. Nada melhor para o demonstrar que o fado.

Somos saudosos do tempo que foi nosso, quando o rosto ainda não nos trazia os riscos da juventude perdida.

Hoje olhamos para esse passado e, aliado a ele,... uma cidade, a cidade de Luanda.

fotos: Avª Salvador Correia dos tempos antigos e batuque na ilha do Cabo em 1900

19/02/18

Ondina Teixeira

Para além de Alex, Vasco Rafael e João Sequeira, outros cantores fizeram a nossa delícia nos programas de entretenimento em Luanda, "Chá das Seis" no Restauração, a "Parada de Alegria" no Colonial, "Passatempo" nos SMAE e o "Cazumbi" no Miramar eram sem dúvida os locais privilegiados para um domingo bem passado.

Uma cantora que também é incontornável no panorama musical em Angola é sem dúvida, Ondina Teixeira.

Muitos êxitos, muitas viagens por essa Angola, muitas presenças nos palcos e de uma simpatia que a fama não lhe fez extinguir, a Ondina, que quando foi para Luanda ainda garota, morou ali no meu Bairro de S. Paulo por cima da Sapataria S. João, era presença assídua nos programas que referi. Aqui está então em cartaz no Cazumbi com apresentação de Ruth Soares e Luiz Montez...

(curiosa é a apresentação da Ondina como artista "BoÇa Nova" e não "BoSSa Nova" e a dos "NEgoleiros", que devem ser os "Ngoleiros do Ritmo")

Podemos ouvir a Ondina não no Cazumbi mas no Chá das Seis... "Simplesmente Maria"


17/02/18

Mutamba antiga

Na Rua Luís de Camões a estátua do poeta, que agora é linda, na época o escultor foi quase "crucificado" pois não havia ninguém que ficasse indiferente a um Camões "trinca-espinhas". Caiu o Carmo e a Trindade por tal desfaçatez.


Sabemos também que quando vivemos numa cidade, ou noutro local qualquer, pouco se liga ao que nos rodeia. Vive-se, vai-se aqui e ali e como tudo isso faz parte da nossa vida, é mais uma rua, é a mais um cinema que se vai, é mais um fim de semana de praia ou de farra.

São esses momentos que mais tarde, longe desses locais que passávamos indiferentes, se fazem sentir e nada melhor que estas imagens para as recordar.

A alma chora, a mente vagueia e lá nos vemos agora sim, com o coração nas mãos, a recordar esses tempos, com saudade, e até o poeta afinal não está assim tão mal ali no pedestal.

E como era L(o)uanda antes de nós a conhecermos como era no nosso tempo?

Já não há gente viva destas fotos dos anos mil novecentos e troca o passo. Conhecemos e bem a nossa Mutamba. Todos nós ali apanhávamos o maximbombo para a nossa casa, para o trabalho/escola, para a praia, ou para o local onde íamos gingar ou dançar um "slow" com a princesa dos nossos sonhos.

Alguma vez imaginaram uma Mutamba assim? Pois aqui está como ela era.

10/02/18

Vasco Rafael e João Sequeira

Vasco Rafael e João Sequeira, duas figuras incontornáveis dos palcos angolanos. Quase sempre atuavam nos mesmos espetáculos

Vasco Rafael um fadista com uma voz portentosa, João Sequeira mestre na rábula como actor.

Vi-os muitas vezes em Luanda e uma vez nos SMAE, o Vasco dispensou o microfone. A voz dele chegava.

Felizmente o João Sequeira ainda está vivo e que continue por muitos e longos anos.

09/02/18

Alex

No Maxime, no Embaixador, nos mais famoso cabarets de Luanda não podia faltar o Alex que vi atuar no Cine Restauração e no Cine Colonial.

Nas fotos (que me ofereceu mas sem compromissos) com a irmã Xela (Alex ao contrário que também atuava com ele).