27/11/24

SEQUESTRADOS

Março de 1975

Tinha havido o Acordo de Alvor em janeiro de 75, entre Agostinho Neto, Holden Roberto e Savimbi. Mas se no hotel tinha havido um acordo, no terreno a realidade era diferente. A guerra fratricida para controlo da cidade de Luanda continuava. Tiros e mortes.

Tinha vindo de Cabinda, depois de passar à disponibilidade. Como desenhador, fui para as minhas funções na Empresa EDAL -Estofos de Angola, que para além do fabrico de colchões da empresa mãe Molaflex, também fabricava material de escritório e outros. Era nesta área que se situava o meu gabinete de desenho.

Estava na empresa, quando fui avisado, que alguns dos nossos trabalhadores tinham sido sequestrados quando se dirigiam para a fábrica, por militares da FNLA, que tinham o seu quartel no Cazenga. Sem eles a fábrica iria laborar a meio-gás. O engenheiro Vasconcelos, pergunta o que fazer para os ir buscar. Não esquecer que a maioria dos militares dos 'fenelas' eram mercenários congoleses do Zaire, de Mobutu. Só falavam francês. Como falava um pouco de francês, ofereci-me para os ir buscar. Só queria uma carrinha de caixa aberta e um condutor.

Cheguei ao quartel. Rostos sisudos apontaram-nos a arma. O condutor tremia e eu disse para ter calma. Saí da carrinha e disse a um deles, que queria falar com o Comandante. Pouco depois surgiu o Comandante, mas este falava português. Expliquei-lhe a situação, sobre os nossos trabalhadores que estavam ali presos e que a fábrica não podia trabalhar sem eles. O Comandante ou pelo facto de eu ali estar a confrontar a situação, 'insultou pró ar' quem tinha sequestrado os trabalhadores e mandou soltá-los. Quando os trabalhadores me viram soltaram agradecimentos sem fim. Sr. Mário, roubaram-me o relógio e tudo o que tinha - disseram.

Antes que a situação piorasse disse: Saltem já para a carrinha. Levam convosco o mais importante, a vida.

Quando chegamos à fábrica, fomos recebidos com palmas e manifestações de alegria mas nas ruas, a luta continuava.

Foto: um dos locais do fabrico de colchões, numa visita dos proprietários da empresa.

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