Março de 1975
Tinha havido o Acordo de Alvor em janeiro de 75, entre Agostinho Neto, Holden Roberto e Savimbi.
Mas se no hotel tinha havido um acordo, no terreno a realidade era diferente. A guerra fratricida para controlo da cidade de Luanda continuava. Tiros e mortes.
Tinha vindo de Cabinda, depois de passar à disponibilidade.
Como desenhador, fui para as minhas funções na Empresa EDAL -Estofos de Angola, que para além do fabrico de colchões da empresa mãe Molaflex, também fabricava material de escritório e outros. Era nesta área que se situava o meu gabinete de desenho.
Estava na empresa, quando fui avisado, que alguns dos nossos trabalhadores tinham sido sequestrados quando se dirigiam para a fábrica, por militares da FNLA, que tinham o seu quartel no Cazenga. Sem eles a fábrica iria laborar a meio-gás.
O engenheiro Vasconcelos, pergunta o que fazer para os ir buscar. Não esquecer que a maioria dos militares dos 'fenelas' eram mercenários congoleses do Zaire, de Mobutu. Só falavam francês.
Como falava um pouco de francês, ofereci-me para os ir buscar. Só queria uma carrinha de caixa aberta e um condutor.
Cheguei ao quartel. Rostos sisudos apontaram-nos a arma. O condutor tremia e eu disse para ter calma.
Saí da carrinha e disse a um deles, que queria falar com o Comandante.
Pouco depois surgiu o Comandante, mas este falava português. Expliquei-lhe a situação, sobre os nossos trabalhadores que estavam ali presos e que a fábrica não podia trabalhar sem eles. O Comandante ou pelo facto de eu ali estar a confrontar a situação, 'insultou pró ar' quem tinha sequestrado os trabalhadores e mandou soltá-los. Quando os trabalhadores me viram soltaram agradecimentos sem fim.
Sr. Mário, roubaram-me o relógio e tudo o que tinha - disseram.
Antes que a situação piorasse disse: Saltem já para a carrinha. Levam convosco o mais importante, a vida.
Quando chegamos à fábrica, fomos recebidos com palmas e manifestações de alegria mas nas ruas, a luta continuava.
Foto: um dos locais do fabrico de colchões, numa visita dos proprietários da empresa.